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Depoimento: “A síndrome de Down justifica o aborto? Nós achamos que não”

Ao contrário do Brasil, em que o aborto é proibido por lei, a taxa de interrupção da gravidez de um filho com down é altíssima no Estados Unidos e no Reino Unido. Recentemente, um documentário gravado por uma atriz, mãe de um filho com down, repercutiu internacionalmente após discutir com bastante propriedade as questões éticas do aborto e o modo como a gravidez e o filho com down é tratado pela sociedade, inclusive, por médicos e profissionais da saúde..

Separamos o relato emocionante de um casal que lutou contra o preconceito e escolheu ter um filho com down:

A descoberta

Foi o momento mais difícil de nossas vidas e a única coisa que consegui fazer foi olhar para a caixa de lenços de papel.

Uma semana antes, minha mulher, Jennifer, grávida, tinha feito um ultrassom de rotina que revelara “marcadores macios”, sugerindo anormalidades genéticas. Agora estávamos no consultório, aguardando o resultado da amniocentese que determinaria com certeza se nossa filha nasceria com síndrome de Down.

É claro que ninguém o coloca em uma sala com uma caixa de Kleenex reforçado só para lhe dizer que tudo vai dar certo. Depois que o médico nos deu a notícia, casualmente disse que, com o diagnóstico “in utero” da síndrome, havia 50 por cento de chances de ocorrer um aborto espontâneo ou de o bebê nascer morto.

Se a gravidez, de alguma forma, chegasse a termo, a expectativa de vida da nossa filha seria muito mais curta que a das crianças normais e era muito provável que sofresse várias sequelas, o que exigiria cuidados médicos constantes e permanentes. Sem falar nas dificuldades cognitivas, escolas especiais e ostracismo social. Era muita coisa para assimilar.

Contra a corrente

Enfatizar as dificuldades que nos aguardavam era, obviamente, uma tática do médico para nos forçar a fazer um aborto.

Aborto esse que não é exceção, mas sim o que se espera em casos de síndrome de Down, e não se limita aos profissionais da área médica. Embora não se tenha os números exatos, pelo menos 60 – e até 90 por cento – dos fetos diagnosticados com a alteração genética são abortados. As pesquisas de opinião mostram que, para os norte-americanos, é muito menos condenável interromper a gravidez em caso de problemas físicos ou mentais. Até o Dalai Lama diz que é compreensível.

Por isso a surpresa foi geral quando nós, um casal de liberais pró-escolha, informamos ao médico que não, não faríamos um aborto. Veio a insistência: será que tínhamos compreendido o alcance dessa decisão?

Sabíamos que amaríamos e cuidaríamos de nossa filha fossem quais fossem suas capacidades. Hoje, apesar das complicações e frustrações além das acarretadas pela criação de um filho normal, Sophia é uma garotinha de oito anos exuberante aproveitando o verão até o finzinho antes de começar a terceira série.

Nunca tivemos dúvidas, embora estejamos conscientes de que isso não acontece com todos os pais – e é por isso que foi extremamente perturbador saber que, ainda este ano, há grandes chances de que Ohio seja o segundo estado (depois de Dakota do Norte) a proibir o aborto depois do diagnóstico “in utero” da síndrome de Down.

Discussão entre prós e contras

A lei pode ser outra manobra dos conservadores pró-vida para limitar ainda mais o direito feminino de escolha, mas, como minha mulher e eu descobrimos, quando se trata de aborto e necessidades especiais, não há soluções ou respostas fáceis – e a ideia de que uma decisão social e ética, profundamente pessoal, possa ser determinada pela legislação, é simplesmente ridícula.

A verdade é que, surpreendentemente, tanto os legisladores conservadores como seus adversários liberais sabem muito pouco a respeito da questão.

Para começar que o debate convencional pró-vida x pró-escolha de cara tropeça nas insinuações sobre “genocídio lento”, que prevê o desaparecimento eventual de pessoas com síndrome de Down. As alegações desse tipo geralmente são exageradas, mas não infundadas: da mesma forma que aumenta nossa capacidade de detectar traços genéticos “indesejáveis”, o mesmo acontece com o aborto justificado por essas características.

Enfrentando Preconceitos

Vale dizer que a dinâmica social convencional em relação ao aborto muda completamente: entre as famílias de pessoas deficientes encontram-se os maiores defensores pró-escolha (como eu e minha mulher) que optam por não fazê-lo. Com uma vasta maioria de diagnósticos acabando na interrupção da gravidez, é bem provável que inúmeros conservadores pró-vida, sob o peso dos desafios, acabem optando pelo aborto.

O que nem sempre significa que essas pessoas sejam hipócritas, mas sim, que o tema é extremamente difícil. Em uma gravidez normal, as mulheres que decidem fazer um aborto quase sempre sofrem com a discriminação e o estigma social do público em geral e até de familiares e amigos. Por outro lado, apesar de alguns avanços recentes, ainda há preconceito associado ao fato de se ter um filho com necessidades especiais.

No fim das contas, eu e minha mulher decidimos ter Sophia. Tivemos que lutar por ela contra as pressões médicas e da sociedade para abortar. Mas foi a nossa decisão.

Pressão Social

A lei de Ohio pode acabar com essa escolha, forçando as pessoas que se encontram nessa situação difícil a dar à luz uma criança com deficiência de desenvolvimento, independente de sua vontade e capacidade de amá-la e cuidar dela após o nascimento.

Ao mesmo tempo, os republicanos estão querendo cortar programas assistenciais como o Medicaid em nível federal e acabar com a assistência domiciliar e outros serviços no estado que aliviam pelo menos uma parte do fardo médico e financeiro das famílias dos deficientes. E, mesmo que, de alguma forma, supere os obstáculos constitucionais intransponíveis, em longo prazo essa legislação só faria aumentar o estresse dos pais, o número de falências e o número de crianças deficientes em orfanatos e creches.

Talvez se os legisladores republicanos de Ohio se vissem tendo que lidar com uma decisão tão difícil e suas consequências, perceberiam a futilidade e a hipocrisia de tentar impor suas crenças abstratas se essas não cabem na realidade.

Fonte : Martk Lawrence, professor assistente de Ciências Políticas, para o News York Times.

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